O crescimento do comércio exterior, impulsionado pela globalização e pelo avanço tecnológico, trouxe consigo uma série de oportunidades para as empresas, mas também aumentou a complexidade e os riscos associados às operações internacionais. Nesse contexto, a implementação de um programa de compliance robusto tornou-se essencial para garantir que as empresas estejam em conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis, evitando sanções legais e protegendo sua reputação.
Este artigo explora a importância do compliance em operações de comércio exterior, abordando suas principais dimensões, como a conformidade com a legislação tributária, aduaneira, ambiental e trabalhista, além de analisar os principais desafios enfrentados pelas empresas e as melhores práticas para mitigar riscos. Serão também citadas fontes doutrinárias, artigos de lei e exemplos de boas práticas em empresas que atuam no mercado global.
Conceito e Importância do Compliance em Comércio Exterior
O termo “compliance” deriva do verbo inglês “to comply”, que significa “cumprir”, “obedecer”. No contexto empresarial, compliance refere-se ao conjunto de procedimentos e práticas adotadas por uma organização para garantir que suas atividades estejam em conformidade com a legislação vigente, normas internas e padrões éticos.
Nas operações de comércio exterior, o compliance é particularmente relevante devido à multiplicidade de normas que regem as atividades de importação e exportação. Essas normas abrangem desde questões tributárias e aduaneiras até aspectos ambientais, trabalhistas, de saúde e segurança, além de regulamentos específicos de cada país de destino.
A conformidade com essas normas não apenas evita penalidades financeiras e criminais, como também protege a reputação da empresa, que pode ser seriamente afetada por escândalos de corrupção, fraudes ou violação de leis. Um programa de compliance bem estruturado ajuda as empresas a identificar, avaliar e mitigar riscos, garantindo a integridade de suas operações internacionais.
Legislação Aplicável ao Comércio Exterior no Brasil
No Brasil, as operações de comércio exterior são regidas por uma vasta gama de legislações que abordam diferentes aspectos dessas atividades. A seguir, destacam-se algumas das principais normas que as empresas precisam observar para garantir a conformidade em suas operações internacionais:
Legislação Aduaneira
A legislação aduaneira brasileira é complexa e envolve a observância de diversas normas e regulamentos. O Decreto-Lei nº 37/1966 é uma das bases do direito aduaneiro no Brasil, estabelecendo as regras gerais para a importação e exportação de mercadorias. Complementando essa norma, o Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto nº 6.759/2009, detalha os procedimentos a serem seguidos pelas empresas, desde o despacho aduaneiro até as penalidades por infrações.
Legislação Tributária
As operações de comércio exterior estão sujeitas a diversos tributos, como o Imposto de Importação (II), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Cada um desses tributos possui regras específicas, e o não cumprimento dessas normas pode resultar em multas, juros e outras sanções.
Legislação Ambiental
As empresas que atuam no comércio exterior também devem observar a legislação ambiental, especialmente em relação à exportação de produtos que possam causar impacto ambiental significativo. A Lei nº 6.938/1981, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece as diretrizes para a preservação e conservação do meio ambiente, sendo complementada por outras normas, como a Lei nº 9.605/1998, que trata dos crimes ambientais.
Legislação Trabalhista
As empresas envolvidas no comércio exterior devem garantir que suas práticas estejam em conformidade com a legislação trabalhista brasileira. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituída pelo Decreto-Lei nº 5.452/1943, estabelece os direitos e deveres dos trabalhadores e empregadores, e seu cumprimento é fundamental para evitar litígios e sanções.
Desafios e Riscos no Comércio Exterior
As operações de comércio exterior envolvem uma série de desafios e riscos que precisam ser gerenciados para garantir a conformidade e a sustentabilidade das atividades empresariais. A seguir, são destacados alguns dos principais desafios enfrentados pelas empresas nesse contexto:
Corrupção e Suborno
A corrupção e o suborno são riscos significativos em operações de comércio exterior, especialmente em países onde a aplicação das leis é menos rigorosa. A Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) é um dos principais instrumentos legais no Brasil para combater a corrupção, prevendo a responsabilização objetiva das empresas por atos de corrupção praticados por seus funcionários e representantes, mesmo que esses atos ocorram no exterior.
Sanções e Embargos
As sanções econômicas e embargos impostos por governos e organizações internacionais são outro desafio importante. As empresas que atuam no comércio exterior precisam estar atentas às listas de sanções e embargos, como as publicadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas e pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, para evitar transações com países, empresas ou indivíduos que estejam sujeitos a essas restrições.
Conformidade Regulamentar em Múltiplas Jurisdições
A conformidade com regulamentos em diferentes países é um desafio significativo para empresas que operam em mercados internacionais. Cada país possui suas próprias leis e regulamentos, e as empresas precisam garantir que suas operações estejam em conformidade com todos eles. Isso exige um conhecimento profundo das leis locais e, muitas vezes, a contratação de consultores e especialistas locais.
Proteção de Dados
Com a crescente digitalização do comércio exterior, a proteção de dados tornou-se um tema central. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), instituída pela Lei nº 13.709/2018, estabelece as regras para o tratamento de dados pessoais no Brasil e tem impacto direto sobre as operações de comércio exterior, especialmente no que diz respeito ao compartilhamento de informações com autoridades aduaneiras e parceiros comerciais em outros países.
Boas Práticas de Compliance em Comércio Exterior
Para enfrentar os desafios e riscos associados ao comércio exterior, as empresas devem adotar um programa de compliance eficaz, que inclua as seguintes boas práticas:
Mapeamento de Riscos
O primeiro passo para a implementação de um programa de compliance é o mapeamento dos riscos associados às operações de comércio exterior. Isso envolve a identificação das principais áreas de risco, como corrupção, sanções econômicas, compliance aduaneiro e proteção de dados, e a avaliação da probabilidade e impacto desses riscos.
Políticas e Procedimentos Internos
Uma vez mapeados os riscos, é essencial estabelecer políticas e procedimentos internos que garantam a conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis. Essas políticas devem abranger todos os aspectos das operações de comércio exterior, desde a escolha de fornecedores e parceiros comerciais até a condução de negociações e o cumprimento de obrigações tributárias e aduaneiras.
Treinamento e Capacitação
O treinamento e a capacitação dos funcionários são fundamentais para garantir que todos compreendam as normas de compliance e saibam como aplicá-las em suas atividades diárias. Isso inclui desde a alta administração, que deve liderar pelo exemplo, até os funcionários operacionais, que lidam diretamente com as operações de comércio exterior.
Due Diligence
A realização de due diligence em parceiros comerciais e fornecedores é uma prática essencial para mitigar riscos em operações de comércio exterior. Isso envolve a análise detalhada das práticas e antecedentes de potenciais parceiros, para garantir que eles estejam em conformidade com as normas legais e éticas.
Monitoramento e Auditoria
O monitoramento contínuo das operações e a realização de auditorias periódicas são essenciais para garantir a eficácia do programa de compliance. Isso permite identificar e corrigir eventuais falhas ou desvios antes que se tornem problemas maiores.
Comunicação e Transparência
Manter uma comunicação clara e transparente com todas as partes envolvidas nas operações de comércio exterior é uma prática fundamental de compliance. Isso inclui desde a comunicação interna, garantindo que todos os funcionários estejam informados sobre as políticas de compliance, até a comunicação com autoridades reguladoras e parceiros comerciais.
Cases de Sucesso e Exemplos de Boas Práticas
Algumas empresas têm se destacado na implementação de programas de compliance em suas operações de comércio exterior, servindo como exemplos de boas práticas no mercado. A seguir, são apresentados alguns cases de sucesso:
Siemens
A Siemens, multinacional alemã do setor de engenharia, é um exemplo de empresa que implementou um robusto programa de compliance após enfrentar escândalos de corrupção. A empresa adotou políticas rigorosas de conformidade, incluindo due diligence em parceiros e fornecedores, treinamento intensivo de funcionários e auditorias regulares. Como resultado, a Siemens conseguiu recuperar sua reputação e fortalecer sua posição no mercado global.
O caso Siemens/Neubürger envolve o ex-diretor financeiro da Siemens, Heinz-Joachim Neubürger, que foi responsabilizado por falhas no cumprimento de seu dever de implementar e supervisionar sistemas de compliance eficazes dentro da empresa. A Siemens enfrentou um grande escândalo de corrupção no início dos anos 2000, envolvendo o pagamento de propinas para garantir contratos internacionais. Neubürger foi acusado de não agir de maneira diligente para prevenir essas práticas, o que resultou em prejuízos financeiros e danos à reputação da Siemens. O caso sublinha a responsabilidade dos administradores de sociedades em estabelecer e manter mecanismos de compliance robustos para assegurar que as operações da empresa estejam em conformidade com as leis e padrões éticos.
Embraer
A Embraer, uma das maiores empresas aeroespaciais do mundo, também é um exemplo de sucesso na implementação de compliance. Após enfrentar investigações relacionadas a corrupção, a empresa reforçou suas práticas de compliance, com foco na integridade e na transparência em suas operações internacionais.
O caso de compliance da Embraer refere-se a uma investigação envolvendo a fabricante brasileira de aeronaves, que foi acusada de pagar propinas a funcionários públicos em vários países para garantir contratos de venda de aviões. Entre 2007 e 2011, a Embraer teria efetuado pagamentos ilegais em países como a República Dominicana, Arábia Saudita, Moçambique e Índia. Como resultado, a empresa foi investigada por autoridades brasileiras e americanas, culminando em um acordo de leniência em 2016. A Embraer concordou em pagar cerca de US$ 205 milhões para encerrar as investigações e reforçou seus programas internos de compliance para evitar futuras infrações. O caso destaca a importância de sistemas robustos de compliance nas empresas para prevenir práticas corruptas e assegurar a conformidade com leis anticorrupção internacionais.
O compliance no comércio exterior é fundamental para garantir que as operações internacionais de uma empresa sejam conduzidas de maneira ética e em conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis em diferentes jurisdições. A adoção de práticas robustas de compliance ajuda a prevenir fraudes, evitar sanções econômicas e mitigar riscos legais, protegendo a reputação e a sustentabilidade dos negócios no mercado global. Além disso, um programa de compliance eficaz promove a transparência e a confiança nas relações comerciais, fortalecendo a posição da empresa no cenário internacional e contribuindo para o seu crescimento sustentável.
Autor: Diego Guerreiro Lopes, consultor tributário da Fix Compliance.
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