
Recentemente, foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 154/2024, de autoria do deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), que propõe permitir que micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional possam receber investimentos de pessoas físicas ou outras empresas na condição de “investidor-anjo”.
À primeira vista, a proposta pode parecer inovadora e promissora — afinal, trazer investimento externo para negócios de pequeno porte é uma necessidade real no Brasil. Mas a realidade é que essa possibilidade já existe na legislação atual. E mais: o projeto parece ignorar nuances fundamentais do sistema jurídico e tributário brasileiro, o que pode induzir empresários ao erro e criar mais confusão do que solução.
O que o projeto propõe?
O PLP 154/2024 propõe alterar a Lei Complementar nº 123/2006, que trata do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, autorizando expressamente essas empresas a receberem aportes de capital de investidores-anjo.
Além disso, o projeto traz novamente à tona uma vedação já conhecida: micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional não podem ser constituídas sob a forma de sociedade anônima (S.A.).
Mas para entender o real impacto (ou falta dele) dessa proposta, é necessário explicar alguns conceitos fundamentais.
Três aspectos essenciais para compreender o tema:
Segundo a LC 123/06, as empresas podem ser enquadradas como:
As demais empresas são consideradas “sem enquadramento” no regime diferenciado e não se beneficiam do Simples Nacional.
A forma de constituição da empresa segue o Código Civil e inclui os modelos:
As empresas podem optar por diferentes formas de apuração e pagamento de tributos:
Onde está o verdadeiro problema?
O projeto falha ao sugerir que o investidor-anjo ainda não é permitido para micro e pequenas empresas. A verdade é que ele já é permitido — com regras claras e previsão legal expressa, especialmente nos seguintes dispositivos:
E no caso de startups?
Se a empresa for uma startup, enquadrada nos termos da Lei Complementar 182/2021 (Marco Legal das Startups) e da Lei 10.973/2004 (Lei de Inovação), é plenamente possível receber investimento de investidor-anjo, independentemente do tipo societário — inclusive se for uma sociedade anônima.
Ou seja:
Afinal, vale a pena ser uma S.A. sendo uma empresa pequena?
Não. Apesar da liberdade societária ser um princípio importante no ordenamento brasileiro, a estrutura de sociedade anônima é custosa, burocrática e operacionalmente incompatível com negócios de pequeno porte.
Mesmo para uma S.A. de capital fechado, é necessário manter:
Obrigações societárias:
Livros obrigatórios:
Obrigações contábeis:
A maioria das ME e EPP não possui estrutura, equipe ou recurso financeiro para lidar com essas exigências. Portanto, manter-se como LTDA (preferencialmente unipessoal) é muito mais estratégico.
Há outras formas de receber investimentos além do investidor-anjo?
Sim, e muitas vezes essas alternativas são mais eficazes, flexíveis e seguras para ambas as partes (empresa e investidor).
Entre as opções estão:
Essas modalidades permitem personalização do investimento, proteção jurídica e flexibilidade tributária, o que é raramente possível na forma rígida do investidor-anjo regulado pela LC 123/06.
Conclusão
O PLP 154/2024 peca por apresentar como novidade algo que já está regulamentado. Ao invés de melhorar o ambiente de negócios, acaba gerando ruído jurídico e incerteza para pequenos empreendedores que precisam de informações claras e seguras para tomar decisões.
É preciso ter muito cuidado ao propor alterações legislativas sem considerar o que já está em vigor, especialmente quando o assunto envolve estratégia societária e captação de recursos.
A legislação brasileira já oferece caminhos possíveis e eficazes para que micro e pequenas empresas (e startups) possam receber investimento privado. Cabe ao empreendedor buscar orientação qualificada e estruturar seu negócio da forma correta desde o início.